
Nos últimos anos, a cannabis medicinal tem ganhado destaque como alternativa terapêutica em diversas condições crônicas. Mas será que ela tem algum papel no manejo da doença renal crônica (DRC) em estágio conservador? A resposta, como quase tudo em Medicina, é: depende do sintoma, do contexto e das evidências disponíveis.
O que dizem os estudos?
Até o momento, os estudos científicos sobre o uso de cannabis em pacientes com DRC ainda são limitados, e a maioria se concentra em sintomas associados, e não na doença em si.
1. Alívio da dor crônica
Um dos usos mais discutidos da cannabis medicinal é no controle da dor crônica, especialmente aquela de difícil manejo com analgésicos tradicionais. Pacientes com DRC muitas vezes convivem com dor músculo-esquelética ou neuropática, e alguns relatos de caso sugerem que compostos da cannabis — como o THC e o CBD — podem ser úteis nesse cenário, principalmente quando outras opções são mal toleradas.
2. Melhora de sintomas como prurido, insônia e ansiedade
Além da dor, outros sintomas frequentemente relatados por pacientes com DRC incluem o prurido urêmico, distúrbios do sono e ansiedade. Estudos pequenos e experiências clínicas iniciais mostram que o CBD, isoladamente ou em associação com doses baixas de THC, pode trazer alívio em alguns desses quadros.
3. Efeitos sobre a função renal: cuidado necessário
É importante deixar claro: não há evidência de que a cannabis melhore a função renal ou altere o curso da doença renal crônica. E mais: em alguns casos, especialmente com o uso de THC em doses elevadas, pode haver hipotensão, alterações na perfusão renal e interações medicamentosas importantes, o que exige acompanhamento médico cuidadoso.
O que dizem as sociedades científicas?
Tanto as diretrizes da KDIGO quanto da KDOQI ainda não recomendam o uso rotineiro de cannabis medicinal para pacientes com doença renal crônica. Isso se deve à falta de estudos clínicos robustos e ao risco potencial de efeitos adversos cardiovasculares, neurológicos e metabólicos.
E se o paciente já estiver usando?
Se o paciente com DRC estiver utilizando cannabis medicinal — por iniciativa própria ou por prescrição — é essencial:
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Priorizar formulações com alto teor de CBD e baixo teor de THC;
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Monitorar pressão arterial, interações medicamentosas e função hepática;
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Acompanhar o quadro neuropsiquiátrico, principalmente em pacientes com histórico de depressão ou ansiedade.
Conclusão
O uso de cannabis medicinal em pacientes com doença renal crônica ainda está em fase de investigação. Embora existam sinais promissores para controle de sintomas como dor, insônia e prurido, não há evidências suficientes para recomendar seu uso como parte do tratamento da DRC. A decisão deve ser sempre individualizada, com acompanhamento de um profissional de saúde capacitado.
Referências científicas:
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Bar-Lev Schleider et al. Cannabis use in patients with chronic kidney disease. Clin Nephrol, 2019.
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Hasin DS. Cannabis use and CKD outcomes. Am J Kidney Dis, 2020.
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Ghasemiesfe M et al. Cannabis use in patients with chronic pain and comorbid conditions: A systematic review. Ann Intern Med, 2018.